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Um Estado de Bem Estar para Elefantes?
Estudo de Caso de Gestão Compassiva

African elephants

INTRODUÇÃO
Jainismo High-Tech?

Em poucas décadas, o crescimento exponencial do poder dos computadores vai garantir que cada metro cúbico do planeta seja computacionalmente acessível a monitoramento remoto, microgerenciamento e controle. Subordinado à biotecnologia e à nanorobótica, esse crescimento das capacidades de vigilância e controle apresenta enormes riscos e enormes oportunidades. Num cenário distópico, essas tecnologias contribuem para combates armados avançados, ou poderiam ser usadas para sustentar uma ditadura orwelliana. Alternativamente, essas tecnologias poderiam proporcionar a gestão compassiva de todo o mundo vivo.

O Jainismo High-Tech do tipo necessário para proteger os interesses dos pequenos mamíferos, sem mencionar o bem-estar dos vertebrados marinhos e (finalmente) membros de outros filos, ainda está décadas distante. A revolução da CRISPR na edição genômica tem apenas uns poucos anos. A nanotecnologia, e em particular a nanorobótica, ainda está em sua infância. Os obstáculos para um mundo sem crueldade não são meramente técnicos. Mesmo quando as tecnologias de intervenção se tornarem baratas e prontamente disponíveis, o viés do status quo presente nos seres humanos pode postergar indefinidamente a implementação de uma biologia compassiva. A ideologia da biologia da conservação está profundamente enraizada. Assim, intervenções germinativas ambiciosas para “reprogramar” espécies tradicionais de predadores, orquestrar a regulação da fertilidade de todas as espécies, e garantir o bem-estar de toda a senciência provavelmente não estão no horizonte por um século ou mais. Contudo, esse tipo de escala temporal não significa que discussões sobre intervenção/gestão ética sejam apenas uma filosofia inútil. Pelo contrário, algumas formas de gestão compassiva são tecnicamente viáveis agora mesmo. Muitos dos piores casos, e mais urgentes moralmente, de sofrimento de animais selvagens são os mais acessíveis à intervenção; e também os menos custosos de remediar.

Por que Elefantes?
Iniciar nossa gestão compassiva do mundo vivo com elefantes livres pode parecer uma escolha arbitrária de espécie. Por que escolher elefantes para um estudo de viabilidade? Mas de um ponto de vista ético, elefantes são um candidato primordial. Com um cérebro pesando pouco mais de cinco quilogramas, o elefante africano tem o maior cérebro entre os vertebrados terrestres. De acordo com algumas suposições bastante modestas, elefantes estão entre os animais não-humanos mais sencientes. Todas as tecnologias necessárias para um programa abrangente de assistência médica para elefantes estão disponíveis, em princípio, se ainda não na prática. Nada especulativo ou mesmo especialmente futurista na forma de alta tecnologia precisa ser invocado para dispor das fundações de um estado de bem-estar para elefantes, apesar das ferramentas de software para monitoramento remoto e tele-diagnóstico eficientes precisarem de maior desenvolvimento. Reconhecidamente, elefantes livres oferecem um exemplo comparativamente “fácil” de assistência compassiva a uma espécie. Elefantes são grandes, longevos, carismáticos e herbívoros. Nenhum interesse aparentemente inconciliável está envolvido (por exemplo, leões versus zebras) em proteger seus interesses porque elefantes maduros tipicamente não têm nenhum predador natural além do Homo sapiens. O fator limitante do tamanho da população na ausência de predação humana ou regulação artificial de fertilidade é a subnutrição.

A exceção mais gritante a essa generalização é o terrível caso dos leões em Savuti. A morte oportunista de elefantes jovens, doentes ou gravemente feridos por outros predadores, notavelmente hienas, realmente acontece; mas tal morte é relativamente pouco comum. É o tipo de horror que a gestão compassiva da Natureza poderia prevenir.

Os Elefantes Auxiliados São Realmente Livres??
Tal como acontece com humanos, “livre” não é sinônimo de “selvagem”. Críticos de qualquer projeto de proteção ao bem-estar de elefantes podem afirmar que os beneficiários da assistência médica, ajuda alimentar e socorro de emergência não serão verdadeiramente livres. Esse não é o lugar apropriado para explorar a metafísica da liberdade, nem para entrar no debate político e humano sobre esquerda e direita. Elefantes não são atores econômicos; a expressão “estado de bem-estar” pode disparar alarmes libertários, mas nesse contexto é politicamente neutra. Se executadas inteligentemente, intervenções de crise em tempos de seca não precisam dar origem a uma “cultura de dependência” nos elefantes; isso não equivale à hora de alimentação no zoológico. Críticos sem dúvida alegarão que elefantes assistidos ou salvos do perigo por humanos não são mais “selvagens” ou “naturais” verdadeiramente. Mas humanos que usam roupas ou tomam medicamentos não são assim menos humanos ou de alguma forma rebaixados quando comparados aos “selvagens” da mesma espécie. O mesmo se aplica a elefantes.

Alguns defensores dos animais alegam que o uso da imunocontracepção em parques de vida silvestre superpovoados viola o direito presumido dos animais não-humanos à liberdade de procriação. O monitoramento íntimo ou remoto como sondado aqui viola o suposto direito dos animais não-humanos à privacidade. Mas preocupações com invasões de privacidade, em particular, são uma projeção antropomórfica injustificada de nossa parte. A alternativa ao controle de fertilidade é assistir um filhote morrer lentamente de fome num habitat degradado, ou a prática brutal do “abate” (i.e. o massacre de famílias inteiras de elefantes) para prevenir a degradação ecológica.

A perda de um filhote ou de uma criança, ou de uma matriarca ou de uma mãe, é traumática para elefantes e humanos igualmente.

Custos da Intervenção.
Qual seria o custo financeiro, com os preços atuais, da assistência médica do berço ao túmulo e da provisão de bem-estar para toda a população de elefantes africanos livres? A população atual de elefantes no continente africano atualmente é em torno de 500.000. A taxonomia dos elefantes está atualmente em desenvolvimento; mas o número de meio milhão inclui o que é comumente conhecido como elefante-da-savana, Loxodonta africana, e a espécie de elefante-da-floresta, Loxodonta cyclotis. Um custo anual entre dois e três bilhões de dólares parece plausível. A maioria dos mesmos desafios e possibilidades surgem para assegurar o bem-estar do elefante-asiático, Elephas maximus. É estimado que 40,000 elefantes-asiáticos restam na natureza. Assim, o tipo de programa esboçado abaixo poderia ser implementado no sudeste asiático por uma fração do preço.

A maioria dos custos da assistência médica a humanos acontecem nos últimos seis meses, e frequentemente nas últimas seis semanas, de vida. No caso dos elefantes, nós simplesmente não sabemos os limites superiores da expectativa de vida, se houver uma dentição adequada na idade avançada. Assumindo um tratamento ortodôntico eficaz, esse desafio em particular, i.e. gerenciar as enfermidades relacionadas com a idade em elefantes livres idosos, estará (presumivelmente) décadas além do início de um serviço de assistência ortodôntica. Após receber chips de monitoramento, ser vacinada e (quando necessário) provida com imunocontracepção, a maioria dos elefantes livres poderia ser monitorada remotamente, mas, com exceção disso, deixada amplamente em paz – exceto nos anos de seca e fome severas, quando intervenções custosas de crise serão necessárias. Para prosperarem, elefantes livres precisam de um habitat que ofereça água fresca, vegetação abundante para pastagem; e alguma sombra disponível. Um elefante-da-savana africano adulto ingere tipicamente mais de 200 quilogramas de matéria vegetal diariamente. O equivalente para elefantes em situação de emergência das Rações humanitárias diárias (HDRs) será bastante volumoso. Quando necessário, o custo de fornecer vacinas, suplementos vitamínicos e minerais, analgésicos, anti-inflamatórios, parasiticidas, sedativos e anestésicos, antibióticos, antifúngicos e antivírus, desinfetantes e agentes de limpeza adicionais não será desprezível; mas as substâncias relevantes são quase todas sem patente. Custos de treinamento e mão-de-obra para equipes auxiliares de assistência na África subsaariana são comparativamente baixos; e provavelmente permanecerão assim no futuro próximo. Uma colaboração estreita, politicamente sensível, com as populações humanas locais será vital para o sucesso do projeto a longo prazo. O trabalho na assistência médica a elefantes poderia fornecer empregos valiosos. Algumas formas de perícia poderiam ser feitas só por veterinários especialistas. Um serviço de ambulância aérea incorreria em custos de transporte significativos.

Imunocontracepção.
A caça por marfim e a destruição de habitats reduziram dramaticamente as populações de elefantes desprotegidos ao longo dos últimos duzentos anos. Entretanto, em condições favoráveis as populações de elefantes podem crescer de quatro a cinco por cento ao ano. Inevitavelmente, tal crescimento é insustentável ecologicamente. A longo prazo, os humanos terão que escolher a área global e o perfil demográfico das populações de elefantes em nossos parques de vida silvestre, ou, caso contrário, deixar a Natureza (i.e. mortes relacionadas à fome e à subnutrição) seguir seu curso. As vítimas de desastres “naturais” climáticos serão principalmente os jovens, os doentes e os idosos. Tal como com os humanos de amanhã, avanços em genética comportamental e em tecnologias reprodutivas permitirão em breve o uso do diagnóstico genético pré-implantacional para decidir tudo, dos limiares da dor (cf. alelos variantes de modulação da dor do gene SCN9A) à suscetibilidade à depressão (cf. o papel do gene COMT e do gene transportador de serotonina, 5-HTTLPR), e às variáveis de personalidade. Ou os responsáveis políticos podem optar por perpetuar a tradicional roleta genética da reprodução sexual. Mais uma vez, decisões políticas e éticas serão inevitáveis.

Assistência Neonatal.
O fornecimento de assistência perinatal a elefantes é possivelmente caro. Imediatamente após o nascimento, o jovem filhote é mais vulnerável à predação por leões, cães de caça e hienas. O primeiro ano de vida de um filhote de elefante é o mais perigoso. As taxas de mortalidade variam de menos de 10% a mais de 30%. A mortalidade de filhotes é passível de aumentar quando a área é restrita e os habitats mudam, de maneira que as oportunidades para pastar e a sombra do meio-dia se tornam menos disponíveis. As causas da morte de filhotes incluem não só a predação, mas também doenças, acidentes, seca, inanição, deficiências nutricionais, stress, stress térmico, afogamento, aprisionamento em buracos com lama, mordidas de cobra e má formação congênita. Na presença de possíveis predadores, a mãe do filhote o defenderá vigorosamente. Infelizmente, o filhote pode nem sempre ser capaz de permanecer na posição segura em baixo do abdômen da mãe. Além disso, o filhote ainda será vulnerável a predadores por mais alguns anos. Depois de cerca de seis meses, o jovem começa a ir para mais longe de sua mãe. Se possíveis predadores estiverem perto, ele estará em risco de ser deixado para trás se a manada for perturbada ou debandar.

Elefantes tipicamente dão à luz a um filhote. Menos de um por cento dos nascimentos envolve gêmeos: um e com frequência ambos os filhotes normalmente morrem semanas ou meses após o nascimento. Intervenções aqui serão necessárias para assegurar um desfecho favorável.

Elefantes órfãos precisarão de proteção especial. Um filhote normalmente mama até pelo menos dois anos de idade. Sem ajuda, elefantes órfãos com menos de dois ou três anos raramente sobrevivem na natureza. Em uns poucos países, a infraestrutura básica de orfanatos para elefantes já está em vigor; tais serviços de resgate e reabilitação só necessitam de expansão, sistematização e financiamento adequado. Após o desmame, as taxas anuais de mortalidade dos elefantes são de talvez cinco ou seis por cento até a idade de cerca de 50 anos. As taxas de mortalidade crescem bruscamente na sexta década.

Ferimentos.
Os elefantes normalmente são robustos e pacíficos. Entretanto, lutas ocorrem, particularmente entre elefantes machos disputando acesso a uma fêmea no cio. Às vezes, um ou ambos os adversários podem ser seriamente feridos nessas lutas agressivas. Fraturas precisarão ser tratadas por especialistas em ortopedia de elefantes.

Prevenção e Tratamento de Doenças.
Assim como humanos, elefantes são suscetíveis à infecção por tuberculose, uma doença tratável causada por uma bactéria que afeta especialmente os pulmões. Doenças transmitidas por mosquitos também são um risco. O antraz pode ser contraído por água ou solo contaminados. Algumas enfermidades são específicas de elefantes, notavelmente a paralisia do tronco e a varíola de elefantes, mas outras aflições são comuns a humanos e elefantes igualmente, desde cólica intestinal e prisão de ventre até pneumonia. Elefantes podem até contrair resfriado, embora essa condição seja autolimitada. Elefantes doentes frequentemente tentam se automedicar, tratando doenças digestivas através do jejum ou do consumo de cascas, ervas amargas ou terra alcalina. Esses autotratamentos limitados podem ser complementados pelos conhecimentos humanos em medicina científica.

Ortodontia.
Após a predação humana, a maior fonte de morbidez e mortalidade de elefantes maduros é a nutrição inadequada. Os elefantes substituem seus dentes múltiplas vezes. O quinto conjunto de dentes de mastigação (molares) dura até a idade de cerca de quarenta anos. O sexto – e normalmente o último – conjunto precisa durar até o resto da vida do elefante. Elefantes envelhecidos podem vagar em busca de áreas pantanosas com fontes de alimentos mais macios. Quando o último conjunto de molares se desgasta pouco antes dos sessenta anos, o elefante não é mais capaz de mastigar os alimentos adequadamente. Ele morrerá pelos efeitos da subnutrição ou da inanição. Elefantes livres normalmente não vivem muito mais que sessenta anos. As mortes de elefantes idosos geralmente ocorrem durante a estação seca. Isso acontece porque a comida seca não pode ser cortada eficazmente pela superfície lisa restante dos sextos molares desgastados.

O elefante enfraquecido e magro irá finalmente sucumbir. Indefeso, ele pode ser comido vivo por predadores ou animais carniceiros. A ortodontia geriátrica para prevenir esse destino será mais custosa que a imunocontracepção ou o rastreamento por GPS de rotina. Mas os tipos de materiais usados para “dentes falsos” poderiam durar décadas sem necessidade de substituição.

Seca.
Durante secas severas, a construção e manutenção de poços artificiais serão necessárias para prevenir tragédias. Entretanto, durante uma seca as mortes são normalmente por inanição ou subnutrição em vez de sede. Isso ocorre porque os elefantes relutam em deixar fontes de água conhecidas para encontrar comida. As mortes também podem estar relacionadas a stress térmico. Entretanto, a reunião de manadas de elefantes subnutridos e desnutridos nos poços restantes fará o fornecimento de apoio nutricional de crise mais fácil e barato.

Cuidado Psiquiátrico.
Como as pessoas, elefantes podem sofrer de mau humor, transtornos de ansiedade e depressão. Os elefantes ficam tristes quando perdem um filhote ou um familiar próximo. Psicoses podem ocorrer, mas principalmente em consequência do cativeiro, raramente em seu habitat natural. Da mesma forma que em humanos, a incidência de depressão endógena é menor quando os elefantes estão vivendo em seu habitat natural em pequenos grupos familiares em vez de estarem sofrendo um confinamento solitário em cativeiro. O transtorno de stress pós-traumático poderia possivelmente ser tratado com betabloqueadores de baixo custo. Determinar a dosagem apropriada da droga em regimes de tratamento diferentes ainda depende de fórmulas do escalonamento metabólico. Tais procedimentos imperfeitos são usados porque comparativamente foram feitos poucos estudos farmacológicos para fornecer informações específicas a elefantes. Se uma disciplina ética de biologia compassiva substituir a doutrinária biologia da conservação, essa relativa falta de estudos pode ser remediada.

Incertezas.
Por enquanto, projeções financeiras sobre a assistência ampla a elefantes livres dependerão de cálculos estimativos em vez de uma metodologia rigorosa. Mas um valor anual de $2,5 bilhões para assistência médica completa e proteção para toda a população de elefantes africanos livres pode vir a ser pessimista. Consultores financeiros só precisarão ter em mente a possibilidade de excessos de custos e despesas inesperadas que tendem a atormentar qualquer iniciativa nova. A provável extensão da corrupção e da má administração, e o crescimento de uma “burocracia do bem-estar” num programa de assistência médica para elefantes também são difíceis de quantificar. Na prática, a grande maioria da população de 500.000 elefantes na África precisaria muito menos que os $5.000 per capita que esse cálculo concede. A implantação de neurochips, o sequenciamento do genoma individual, vacinações, rastreamento por GPS e (quando adequada) a imunocontracepção custariam no máximo umas poucas centenas de dólares. A implantação de chips para rastreamento, o sequenciamento do genoma individual e as vacinações tipicamente seriam despesas pontuais em vez de uma parte regular do orçamento anual. O que é viável com despesas modestas para, por exemplo, todos os cães “domésticos” do Reino Unido não é menos viável para elefantes livres. O uso dos chips poderia variar da simples identificação até o monitoramento remoto mais complexo do estado de saúde (por exemplo, monitoramento de cortisol. Níveis elevados de cortisol sugerem alto stress e portanto a necessidade de investigação e uma possível intervenção compassiva).

Qual seria o prazo para a proteção completa da população de elefantes da África? Talvez um ou dois anos – mas apenas se existisse um consenso internacional.

A Objeção Especista.
Até o crítico mais compreensivo da biologia compassiva é suscetível a levantar uma objeção aparentemente convincente. Centenas de milhões de seres humanos ainda não desfrutam de uma adequada proteção ao seu bem-estar. O custo anual estimado de dois ou três bilhões de dólares de um programa para o bem-estar dos elefantes não poderia ser gasto mais proveitosamente promovendo, em vez disso, o bem-estar humano? A África precisa de assistência para as pessoas, não de assistência para os elefantes.

Qualquer que seja nossa resposta a essa objeção, ela não deve ser turvada pelo arbitrário viés antropocêntrico, i.e., o especismo. É importante ressaltar que o antiespecismo não é a afirmação de que “Todos os Animais São Iguais” ou que todas as espécies têm valor equivalente, ou que o bem-estar de um humano – ou de um elefante – é tão importante quanto o bem-estar de um mosquito. Em vez disso, é a afirmação de que, em iguais circunstâncias, todos animais, humanos e não-humanos, de senciência equivalente têm igual valor e merecem igual consideração. Comparações são desagradáveis; mas o antiespecista argumenta que eticamente o que importa na alocação de recursos não é o grupo étnico ou a espécie, mas sim a senciência. Assim, não há evidência de que o grau de senciência é ligado, por exemplo, às variações alélicas específicas do gene FOXP2 envolvidas na capacidade humana de sintaxe generativa. Estudos do cérebro humano com microeletrodos utilizando indivíduos despertos e verbalmente competentes confirmam que as formas de senciência mais intensas, especialmente nossas emoções límbicas nucleares, são também as mais primitivas filogeneticamente, enquanto que a fenomenologia associada com essas capacidades cognitivas distintamente humanas, como matemática avançada ou sintaxe generativa, é também a mais sutil e rarefeita. A fenomenologia da geração de linguagem é pouco acessível à introspecção. Evidências abundantes sugerem que elefantes são pelo menos tão sencientes quanto crianças humanas. Elefantes podem passar no “teste do espelho”, demonstrando deste modo a capacidade de autoconsciência reflexiva. O hipocampo de elefantes é comparativamente maior que o hipocampo de humanos, provavelmente uma função da memória extraordinária dos elefantes. Elefantes são dotados de um neocortex imenso e altamente complicado que auxilia seus sistemas complexos de comunicação tátil, visual, acústico e olfativo e também a capacidade de compreensão empática. Elefantes mostram uma cognição social sofisticada. Mais polemicamente, seus sistemas límbicos comparativamente maiores sugerem que elefantes podem ser pelo menos tão sencientes quanto humanos adultos, ainda que sem as proezas lógico-matemáticas e linguísticas que possibilitam ao Homo sapiens moderno dominar o planeta. De qualquer maneira, mesmo se, conservadora e cautelosamente, julgarmos que os elefantes não são mais sencientes que crianças humanas pré-linguísticas, ainda temos um dever de proteger seus interesses. Pela mesma razão, o mundo abastado também tem um dever ético de “interferir” e ajudar crianças vulneráveis em nações em desenvolvimento. Examinar o tema da ajuda ao terceiro mundo aqui nos levaria longe demais.

Uma objeção mais atraente à implementação de um programa de assistência aos elefantes é que nossa prioridade ética primordial deveria ser acabar com o sofrimento e morte pelos quais humanos são diretamente responsáveis. A pecuária intensiva é atualmente a maior fonte de sofrimento severo e prontamente evitável no mundo. Hannah Arendt abordou notoriamente a “banalidade do mal”. A maioria dos humanos são cúmplices ou estão financeiramente envolvidos com o holocausto dos animais não-humanos. Apesar de um porco, por exemplo, ter senciência comparável a de uma criança pré-linguística, os humanos habitualmente fazem coisas aos porcos criados na pecuária que ganhariam uma pena de prisão perpétua se as vítimas fossem humanas. O desenvolvimento e comercialização da carne in vitro promete o veganismo/invitrotarianismo global até o final do século. Enquanto isso, bilhões de seres sencientes serão abusados e mortos para satisfazer nosso gosto por seus corpos.

CONCLUSÃO
O Maior Obstáculo.

Bem ou mal, os humanos ou nossos descendentes serão responsáveis pela vida na Terra no futuro por um tempo indeterminado. Apesar dos desafios técnicos inicialmente assustadores, o maior obstáculo para a gestão compassiva da população mundial de animais não-humanos livres não é técnico ou mesmo financeiro, mas sim ideológico. A maioria das pessoas é propensa ao viés do status quo. Esse viés inato é normalmente justificado por alguma versão do apelo à Natureza, algumas vezes (mal) caracterizado como “falácia naturalista”. O que é natural é bom. A irracionalidade do apelo à Natureza é ilustrada por um simples exercício de pensamento. Imagine, fantasiosamente, se a inanição, as doenças, o parasitismo, a evisceração, a asfixia e a experiência de ser comido vido não fossem endêmicas do mundo vivo – ou se essas misérias já tivessem sido abolidas e substituídas por um paraíso na terra. Alguém iria propor que há um motivo ético para (re)introduzi-los? Até mesmo propor tal exercício de pensamento pode parecer um tanto ridículo. Entretanto, nosso bioconservacionismo não é completamente consistente. Se apresentadas com um exemplo específico de sofrimento terrível, por exemplo, um filhote de elefante e sua mãe presos em um buraco com lama, a maioria das pessoas argumenta que devemos intervir em vez de permitir que o horror suceda “naturalmente”. A benevolência humana é tipicamente fraca, errática e sentimental em vez de organizada, e frequentemente é insignificante, mas ainda real. Ao focar inicialmente em exemplos horríveis concretos, um consenso amplo sobre o princípio da intervenção compassiva possivelmente pode ser estabelecido, embora, é claro, não sobre se a intervenção deve ser fragmentada ou sistemática – ou como ela deve ser consolidada. Desencadear apoio para “resgates” de animais ad hoc é o ponto crítico que defensores da gestão compassiva da Natureza precisam para levar sua situação adiante. Uma vez que aceitemos que a intervenção para prevenir o sofrimento em animais não-humanos livres é às vezes eticamente justificada, e às vezes até mesmo eticamente obrigatória, surge então um pergunta franca. O sofrimento de animais livres importa só quando humanos o percebem? Que princípio(s) deveria(m) governar nossas intervenções? Se podemos garantir o bem-estar de elefantes, deveríamos ter como objetivo, enfim, estender nossa gestão compassiva ao resto do mundo vivo?


David Pearce (2012)
(última atualização em 2015)
with warm thanks to translator Ricardo Torres (DP)
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