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Antinatalismo

“A maioria das pessoas acredita que, ou elas seriam beneficiadas, ou, ao menos, não seriam prejudicadas ao virem a existir. Assim, se elas jamais refletem sobre se deveriam colocar outros no mundo – em vez de terem filhos sem sequer pensar sobre se deveriam tê-los –, acabam por presumir que com isso não lhes farão mal algum. “Better Never to Have Been” (Melhor Nunca ter Nascido) contesta essas suposições. David Benatar argumenta que vir a existir é sempre um dano sério. Embora as coisas boas na vida de alguém façam com que essa vida ocorra melhor do que poderia ter sido de outro modo, essa pessoa poderia não ter sido desfavorecida pela sua ausência caso jamais tivesse nascido. Aqueles que nunca vieram a existir não podem ser desfavorecidos. No entanto, uma pessoa, ao vir a existir, sofre danos bastante graves que nunca ocorreriam se ela não tivesse vindo a existir. Com base na literatura psicológica relevante, o autor mostra que há uma série bem documentada de características humanas que explica por qual razão as pessoas sistematicamente superestimam a qualidade de suas vidas e por que elas são tão resistentes à sugestão de que foram seriamente prejudicadas ao terem vindo a existir. Em seguida, o autor passa a advogar em prol de sua perspectiva “antinatalista” – a de que é sempre errado ter filhos – e mostra que combinar essa visão antinatalista com abordagens pró-escolha comuns acerca do status moral do feto produz uma visão “pró-morte” do aborto (nos estágios iniciais da gestação). O antinatalismo igualmente implica que seria melhor se a humanidade fosse extinta. Apesar de contraintuitivo para muitos, tal implicação é defendida, não menos do que ao demonstrar que isso resolveria vários enigmas da teoria moral da população”.
Descrição do livro Better Never to Have Been: The Harm of Coming into Existence. Escrito por David Benatar (2006).

Em seu livro, Better Never to Have Been, Benatar contesta uma profunda fonte de status quo. Ele argumenta que nascer é sempre um dano. Consequentemente, o tamanho ideal da população seria zero. Sófocles uma vez observou “Seria melhor não ter nascido”, Benatar, por sua vez, concorda com essa afirmação. Better Never to Have Been defende a extinção misericordiosa de toda vida senciente. Benatar, todavia, é realista quanto suas perspectivas de sucesso.

O argumento de Benatar repousa em uma assimetria crítica descrita no segundo capítulo de seu livro. Se alguém nunca tivesse existido, pontua Benatar, a ausência de qualquer prazer que ele ou ela poderia ter experienciado não é algo ruim – mesmo que fosse certo que qualquer prazer em sua vida teria sido bom. (Essa assimetria fundamenta a intuição amplamente reconhecida de que ninguém é moralmente obrigado a ter filhos.) Por seu turno, se o sofrimento vivenciado na vida dessa pessoa nunca tivesse ocorrido, então a ausência de sofrimento seria uma coisa boa. Tendo por base essa assimetria fundamental – i.e., o sofrimento é intrinsicamente prejudicial, porém não há nada moralmente ruim na ausência de prazer –, Benatar extrai sua conclusão niilista.

A prescrição política de Benatar é insustentável. O antinatalismo irá fracassar, pois qualquer predisposição em compartilhar desse viés – ou, em vez disso, compartilhar da percepção verídica de que a vida darwiniana é nociva – seria eliminada da população. A ética antinatalista é autodestrutiva [self-defeating]: sempre haverá uma pressão de seleção contra aqueles que a praticam.

Todavia, como os agentes racionais deveriam se comportar se – hipoteticamente – algumas variantes do diagnóstico feito por Benatar enquanto distintas da prescrição política estiverem corretas?

Numa era de biotecnologias e seleção (não) natural, uma alternativa ao antinatalismo é a adoção mundial de um bem-estar geneticamente pré-programado. Dessa forma, não seria necessária uma pressão de seleção contra os gradientes de felicidade adaptativa perpétua – i.e., uma recalibração radical da esteira hedônica. A única maneira de erradicar os substratos biológicos desagradáveis – e, por conseguinte, prevenir o dano da existência darwiniana, não é pleitear pela erradicação da vida, mas sim garantir que a vida senciente seja inerentemente feliz. Mais especificamente, a iminente revolução reprodutiva de bebês projetados é passível de enfrentar uma intensa pressão de seleção contra adaptações que promovem a nocividade, as quais aumentaram o fitness inclusivo de nossos genes no ambiente ancestral de adaptação. Se utilizarmos a biotecnologia com sabedoria, os gradientes de bem-estar geneticamente pré-programado poderão tornar toda a vida senciente subjetivamente recompensatória – algo tão maravilhoso que está além da imaginação humana. Assim, em comum com utilitaristas “positivos”, o utilitarista “negativo” faria melhor ao batalhar por uma super-felicidade geneticamente pré-programada.

Um utilitarista negativo poderia descartar essa encantadora perspectiva como uma fantasia. Semelhante ao utilitarismo negativo – e ao argumento feito por Benatar de que a existência senciente implica em dano intrínseco para suas vítimas – a solução da super-felicidade provoca ataques ad hominem ridículos, bem como incredulidade. Porém, um mundo livre de crueldade é tecnicamente viável. E, diferentemente do antinatalismo, há fortes bases técnicas e sociológicas para prever que a aplicação da biotecnologia extirpará os substratos de sofrimento.

A espécie Homo sapiens é a única capaz de impedir sistematicamente danos no resto do mundo vivo – apesar das atrocidades que sujeitamos os animais não-humanos hoje em dia. Por conseguinte, é vital que os seres humanos sobrevivam aos riscos existenciais que enfrentam de modo a alcançar a consecução do projeto abolicionista. É possível presumir que a sua implementação acarretará o uso de métodos contraceptivos do tipo Depot, a reconstrução completa de ecossistemas, e a reescrita do genoma vertebrado – um desafio formidável, porém não impossível.

Se formos bem sucedidos, a existência porvir será intrinsicamente boa.

Original Title: Anti-Natalism
Brazilian Portuguese Title: Antinatalismo.
Author: David Pearce (2007)
Translation by: Gabriel Garmendia da Trindade (2014) see too 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 & 10
[see too O Argumento da Alfinetada]
Technical Review by: Ana Paula Foletto Marin (2014)





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